Primeiramente, o que é uma cultura de dados?
Alexandra é uma analista de marketing de uma rede de restaurantes com foco em cortes nobres. Foi pedido a ela que analisasse a possibilidade de abrir uma filial em um shopping nobre numa das maiores capitais do país.
Alexandra iniciou sua análise consultando uma série de informações:
- Renda per capita da região;
- Faturamento de restaurantes da rede em pontos semelhantes;
- Pesquisas de Percepção de marca;
A decisão dela, cruzando os dados foi : “Deveriam abrir o restaurante, sim”.
Entretanto, seu chefe, que é o diretor de marketing, optou por não abrir. Ele acha que Alexandra fez um bom trabalho, mas alegou que já fora em diversos restaurantes desse shopping e não acha que tenha espaço para eles lá, que as pessoas que frequentavam o local procuram ‘outra coisa para comer’. Dois meses depois, o maior concorrente da rede deles abriu uma filial nesse mesmo shopping, e acabou virando um dos melhores pontos da marca rival.
Alexandra tomou a sua decisão baseada em uma série de dados, enquanto o seu chefe seguiu o feeling e a experiência pessoal; baseou-se em um achismo no qual estava 100% convicto (e também, muito errado).
Quando somente uma pessoa ou um setor específico de toda a empresa usa informações para embasar as suas escolhas, não temos uma cultura de dados, ou seja, um ambiente corporativo que incentiva o uso de evidências comprovadas para a tomada de decisão. Entende-se que numa organização com uma cultura de dados, times de diversos níveis hierárquicos usam as análises para ações. Desde o presidente cuidando de indicadores do negócio até vendedores usando informações e dados para definirem a sua abordagem.
Alexandra não trabalha em uma organização que tem uma cultura de dados, e o problema pode ir muito além da liderança não ter um perfil analítico. Uma série de pontos corroboram para esse cenário acontecer em diversas empresas, e vamos passar por alguns deles.
Ausência de liderança
Janeiro é uma época de planejamento estratégico do ano que está por vir em muitas empresas. Esse cenário não é diferente para Maria, coordenadora da área de analytics de um hospital particular. A Diretoria traçou um objetivo macro de “Ser uma organização que toma mais decisões com dados”.
Até aqui, tudo parece fácil - Definição clara de onde queriam chegar. Com a ajuda da TI para a exportação de dados, seria tranquilo. Maria sabia o que fazer.
Chegando no mês de entrega, a API que forneceria os dados não tinha sido concluída, a equipe de TI acabou priorizando outros projetos e não conseguiu entregar a tempo. Maria teria que baixar localmente os dados(muitos deles!), sua equipe teria que fazer o input na mão, porém ela não tinha escolha, era necessário fazer dessa forma, mesmo que não fosse uma prática recomendada.
A equipe de analytics não conseguiu ter todos os dados na reunião de entrega. seu painel estava incompleto, no máximo um MVP. Na mesma reunião, o coordenador da TI apresentou uma outra solução - “Temos essa opção aqui, ainda faltam dados, mas está integrado até no aplicativo do celular”. Longe de ser o que a diretoria esperava, o projeto fracassou.
Era necessário que a diretoria não somente traçasse o objetivo, e sim, que liderasse, garantido que as áreas estivessem se comunicando, que o projeto fosse priorizado e que não houvesse conflitos entre os times.
Uma cultura de dados só terá sucesso na sua implementação se existir coordenação de uma liderança apta em unir os times, não somente exigindo o uso para a tomada de decisão, mas incentivando-as com políticas da empresa. Como mostrado neste artigo sobre ações que devem partir dos superiores, é destacado como os chefes precisam ser exemplos a serem seguidos, e também a elaboração de políticas que estimulem o uso de dados.
Coordenadores dos setores da empresa, como marketing e RH, também precisam de uma liderança. Se os setores não conversarem e tiverem alguém orientando a suas ações para um um objetivo em comum, acabará que cada parte da empresa terá seus próprios dados, com chances de outro setor já ter recolhido essa informação, gerando um sentimento de ‘nós contra eles’, como citado nesse artigo da MIT Sloan.
Os dados são da empresa, não de setores.
Um dos maiores problemas que uma organização pode ter para implementar uma cultura de dados é quando um setor específico acha que é dono dos dados da empresa.
Ilustramos com um exemplo: um analista pede uma tabela com um pouco mais de 100 linhas de informação, algo que pode ser gerado e enviado em minutos. Contudo, acaba que essa tabela só é entregue quinze dias depois e mediante a ordem de um superior. Não existe outra maneira do analista requisitar a informação, ele depende desse setor que demora no fornecimento de dados.
Esse problema se dá por silos de dados.
Segundo esse artigo da Harvard Business Review, os silos podem não virar somente o maior custo da operação de analytics da empresa. Eles podem acabar impossibilitando qualquer iniciativa na área!
Não existe uso de dados sem considerar a visão do usuário.
Um produto ou serviço de dados utilizado por uma organização se for criado apenas pelo propósito de “ter uma tecnologia implementada”, provavelmente irá fracassar.
Para o desenvolvimento de uma cultura de dados, decisões arbitrárias não podem ser tomadas. Se uma equipe de diretores necessitam acompanhar indicadores das suas fábricas semanalmente, é necessário antes de mais nada, consultar que tipo de decisão eles tomam, quais são os indicadores estratégicos e táticos que necessitam de acompanhamento.
Não adianta nada desenvolver um painel de BI que se atualiza automaticamente com integração no app do celular, se o usuário final não usar. Ou até mesmo, se a aplicação teve um bom engajamento de uso no início da sua implementação, sem um acompanhamento e feedback de necessidades ao longo do tempo, nada impede que ela vire obsoleta.
O Processo importa mais que o resultado.
Okay, você deve estar pensando “Como algo burocrático, que muitas vezes é perda de tempo, vai ser mais importante que entregar um resultado?” A resposta é simples: o processo permite auditar o resultado, permite garantir que ele não é fruto do acaso ou que possa passar no teste do tempo.
Não existe uma cultura de dados sem a confiança no que está sendo gerado.
Pensar em tecnologia antes de pessoas é o erro que antecede muitos outros.
Nossa intuição leva a crer que para implementar uma cultura de dados em uma empresa, é necessário investir na melhor tecnologia possível. Porém, não adianta nada ter a melhor infraestrutura, o BI mais robusto, máquinas com as melhores GPUs do mercado se não existe o investimento em pessoas e lideranças.
Quem vai operar o algoritmo que permite prever vendas são pessoas. Quem vai garantir que as áreas estão conversando e operando em conjunto para atingir os objetivos da organização são lideranças (que também são pessoas).
Uma cultura voltada à tomada de decisão através de dados não surge em semanas ou poucos meses. Se conquista no longo prazo. Um time de futebol vencedor dificilmente será o campeão com uma temporada boa somente: é um trabalho de anos para ter uma equipe sólida. A equipe do Palmeiras não vem conquistando diversos títulos sem antes ter tido uma reformulação. É um esforço de quase uma década.
Ao fim do dia, a implementação da cultura analítica em qualquer empresa depende intimamente das pessoas envolvidas no processo, e não das máquinas que elas operam.